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quarta-feira, 15 de novembro de 2006 Diário de Bordo - um post de dois lares (foto da pereba cujo sangue atrairia as piranhas. Em Manaus eu "ajeito" este post e coloco a foto no local correto)) Legenda: Luabella e Lady Gwen Sexta-feira - 19:20 Enquanto ele acenava com a mão de cima do flutuante onde o barco estivera atracado até então, distanciávamo-nos cada vez mais do porto de São Raimundo. A paisagem fétida com seus urubus de garbosa elegância sumia pela distância e pela noite. Uma saudade dostosa predominava nos dois corações que, ansiosos, iniciavam a viagem rumo a Santa Isabel do Rio Negro. Era minha primeira vez em muita coisa: viagem de barco, dormir em rede e aquela gostosa saudade de quem, em quinze dias, veria novamente - e tinha certeza disso. A rede... Ah, a rede! Ao contrário do que possa imaginar eu não estava nem um "pingo" excitada com a idéia de dormir nessa cama suspensa. Para mim rede foi feita para 5 ou 10 minutos de balanço ocasional depois do almoço. Dormir nela? Nem pensar! Tudo foi muito esperado: minhas férias, a viagem de volta pra casa, o diploma que carregava dentro da bolsa... mas tudo estava mais gostoso porque era compartilhado. A vontade de gritar ou extravasar de alguma outra forma foi inevitável e o abraço gostoso que dei foi a maneira que encontrei. Sábado - em alguma hora do dia Ela estava apreensiva e depois da primeira noite numa rede e de ter sido acordada por um viveiro de caspa ambulante e matraqueiro, imaginem o bom humor da criatura. Tomamos café e fomos admirar a paisagem do convéns superior. Logo os botos começaram a dar o ar de sua graça... Lógico que quem primeiro viu fui eu - mas não o boto, o peixe boi. Pra mim foi como ver um bezerro preto que tava se afogando subir à superfície pra dar o último suspiro. Mesmo com uma associação trágica feito a minha, foi uma cena bem bonita de se ver. Gritos e pulos sucedem a cena, é claro, afinal de contas... afinal de contas o quê mesmo? Afinal de contas, além de ser uma peixe-vaca em seu habitat, é a minha primeira vez dormindo em rede... mal-dormindo, quero dizer; é a minha primeira vez viajando de barco. Santa Isabel faz fronteira com a Venezuela, ou seja, tendo como referência o lugar de onde saí, atravessei o Brasil de ponta a ponta e; é a primeira vez que me despeço e sei que vou voltar. Domingo - (idem) Minha segunda noite na rede foi algo que eu posso descrever como "mil vezes pior que a primeira". Dormir mesmo, só pela manhã, quando o criatório de caspa já estava à todo vapor conversando e Luabella queria subir para ver o pôr-do-sol. Pôr? Não... nascer. Aliás, nem sei por que cargas d'água eu disse de manhã. Tava escuro ainda na hora em que ela, furtivamente, meteu a mão na rede e começou a sacodir de uma lado pra outro: - "Vamo lá pra cima?" Tão escuro como só estaria às 4 da manhã... eu devo merecer, né? *** "Baila em seu corpo alegria, Jacarena. Dança e balança esse swing que te queima. Baila em seu corpo alegria, Jacarena.... êêêêêêê.... Jacarena!" Ela estava lá, quietinha, deitadinha e tão solitária que deu vontade de convidá-la a bailar! Verdinha, cinzinha e amareladinha. Olhos tão tristes, sonbrancelhas por fazer... jacarena e sua vida solitária que me partiu o coração... "Quase morri há menos de 32 horas atrás, hoje a gente fica na varanda..." (Dia perfeito - Legião Urbana) Não foram 32 horas, eu diria que 10, e agora não estou numa varanda, estou na proa... mas o layout é praticamente o mesmo, não? Se Amir Klink se embucetar, ele pode fazer a varanda da casa dele em forma de proa, não pode? Apois! Pois fato é que quase morri e só consegui pensas: caralho, as redes! Queria um telefone, preciso me despedir... Mouss, nunca mais vou voltar pra casa... O barco encalhou. Sim, encalhou, no meio do nada, na escuridão da noite. O holofote (farol de milha) brincava de lá pra cá e tudo que eu conseguia ver - na realidade não ver - era a água preta deste rio (é porque estou escrevendo ainda sobre ele). De vez em quando via um par de olhinhos me espreitando, outras vezes via um par de olhões vermelhos... mas além disso, só mato, água, o barco encalhado num maldito banco de areia que estava submerso, os botes que eu tinha certeza que não conseguiria pegar e meu pânico. "Ai meu Deus, eu não posso morrer..." Não agora, é claro! Não num lugar onde nunca achariam meu corpo - a não ser que partissem ao meio aquele jacaré de olhos vermelhos e encontrassem dentro dele meu anel, meu piercing, minhas fitinhas do Senhor do Bonfim e minhas unhas côr-de-rosa... Mas eu mereço um cemitério legal. Não quero velas à margem de um rio num lugar onde o jacaré tava fazendo a cesta... Não... isso não! Segunda-feira - 08:15 Desencalhamos, andamos por mais meia hora e atracamos em uma ilha qualquer. Ilha esta que, pelo visto, não tinha nenhum par de olhos vermelhos, pois estamos todos aqui hoje de manhã. *** Eu odeio ficar acordada enquanto todos dormem, só isso que tenho pra dizer! Eu ia dizer que se ela relaxasse e tentasse aproveitar mais a viagem seria melhor, mas tenho que admitir, a bichinha se esforçou. Mas esse alarde todo como prenúncio de uma nmorte iminente foi um pouco demais. Foi só uma encalhadazinha num banco de areia, comum nesta época quando o rio está seco. E o prático do "Princesa Laura" foi chingado até dizer chega apesar de não ter culpa de não ter enxergado no meio da noite um banco de areia submerso e móvel de enchente em enchente. E agora, manhã de segunda-feira, já estávamos chegando ao nosso destino. Depois de noites mal-dormidas(sempre preferi camas), refeições disputadas, café no meio da madrugada, botos, botos e mais botos (atraídos, segundo reza a lenda, pelo período rubente no qual ambas estamos), jacaré fazendo a cesta na beira do rio, garças, papagaios, araras... e só faltavam mais algumas horas de viagem. Eu já conseguia ver a cena: Fernanda tropeça pouco antes de descer as escadas e deita na rede tendo que estancar a hemorragia de seu dedo. Mas o Princesa Laura afunda e essa Fernandinha que vos fala não consegue nenhum bote. Tenta desesperadamente algo - mas o quê? - até que se cansa e se deixa boiar. As piranhas negras - legal, né? Rio Negro, piranha negra - atraídas pelo sangue que jorrava do dedo anular de seu pé vêm em polvorosa e lhe devoram a carne. Dessa vez fica mais difícil a identificação do corpo, pois, cada uma fica com uma unha e o rei do bando, com o anel do dedão. Meu Deus... como é dramática!!!! Rsrsrsrsrsssss.... Enviado por Ban
às 23:11
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