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segunda-feira, 7 de novembro de 2005

Eu já tive vergonha de chorar...

Guanambi, um mês qualquer do ano de 1988.

Meu pai saiu de casa poucos meses depois que Marquinhos nasceu. Dois, no máximo, pois consigo lembrar perfeitamente do dia que...

Eu me lembro bem, a situação ficou difícil pra mamãe. 3 filhos, as duas mais velhas em escola particular e o mais novo, recém nascido.
Nesse dia em particular eu não fui pra escola pq Mamãe nao tinha dinheiro pra me dar pra merenda e, exclusivamente nesse dia, meu pai resolve me visitar na escola.
Até hj tento identificar o pensamento / sentimento que povoou cada póro do corpo daquela criança que eu era.
Não consigo...

"Fernanda, fala pra tia Sul, tá tudo bem com seus pais?"
"Tá sim, Tia Sul!"
"Fernanda, seus pais estão se separando? Pode falar, tia Sul quer ajudar..."

Eu não via como ela poderia.
Meu pai havia saído de casa sem ao menos se lembrar de nós, deixando-nos por uma outra vida, deixando minha mãe afogar em dor.
A culpa era minha, tinha de ser.
Se não fosse minha, seria de mamãe, e dela não era! Ela tava triste, emagrecendo e se perguntando onde havia errado.
Se ela não sabia onde errou, é pq não errou.
Então tinha sido eu...
Lógica pura. Lógica de uma criança pura... De uma criança que entende que alguém tem de ter feito algo de errado pra que outra saia de casa assim, sem explicação.

"Tá tudo bem. Posso ir pra sala?"
"Fernanda, cê nao veio pra escola ontem, não é mesmo?
"Hum-hum..."
"Seu pai esteve aqui. Disse que queria te ver, pois sentia sua falta já que fazia algum tempo..."

Não consegui conter as lágrimas e saí correndo pro banheiro e me tranquei lá.
Será que ela não entendia? Será que ela não percebia que papai tinha nos deixado por minha culpa e se eu dissesse isso, se saísse de minha boca o que vinha acontecendo, iria estar sacramentado, não teria mais volta e pra o definitivo sa situação, a culpa tb seria minha?
Em que ela ia ajudar? Ia investigar nossa vida para enfim ver que eu mexia no computadopr, nos papeis vegetal, nas réguas, no t, no teodolito de papai qdo nao devia?

Para descobrir que eu nao fechava os olhos qdo ele pedia nas cenas de filme de terror que eu nao podia ver?

Para ter certeza que eu n~]ao dormia qdo ele mandava e que ficava deitada na cama, sonhando acordada em passar em um local cada vez amis apertado com meu aviãozinho do River Rider em meu vídeo Game?

Para saber que fui eu quem jogou toda a carteira de cigarros dele no esgoto - coisa que ninguém nunca conseguiu descobrir?

Para poder dizer, para todos, com certeza, que a culpa era minha???


Não me lembro de como decorreu esse dia, mas me lembro de um dia qq, em Iuiu, no ano de 1989: Papai em um bar, fazendo o que ele estava se especializando - ficar bêbado.
Nesse bar tinha um anú - pássaro preto que é muuuuito fácil de adestrar. Esse anú beijava sua boca se vc fizesse beicinho pra ele. Era muito legal.
Mas eu nao consegui, mesmo com o pássaro no meu dedo, ferindo minha boca, prestar atenção nele.

Eu tinha um nó gigantesco na garganta e nao queria desatá-lo.
Não podia...
Se desatasse, iria chorar...

Não me lembro de uma única palavra que meu pai me disse, mas me lembro que a primeira delas desencadeou um mar de lágrimas tristes de meus olhos.

Mas eu nao podia chorar...
Só tinha de pedir pra ele me perdoar, pq, se ele perdoasse as más criações que fiz, ele nao ficaria mais com raiva e voltaria pra casa...

Mas assim como não podia chorar e chorei, eu tinha de falar e não falei.
Não falei...
e ele não voltou...

Enviado por Ban às 21:22